domingo, 6 de outubro de 2013

CONTO - MISSA DO GALO - 9ºANO

Missa do galo
Machado de Assis



            Nunca pude entender a conversação que tive com uma senhora, há muitos anos, contava eu dezessete, ela trinta. Era noite de Natal. Havendo ajustado com um vizinho irmos à missa do galo, preferi não dormir; combinei que eu iria acordá-lo à meia-noite.
            A casa em que eu estava hospedado era a do escrivão Meneses, que fora casado, em primeiras núpcias, com uma de minhas primas. A segunda mulher, Conceição, e a mãe desta acolheram-se bem, quando vim de Mangaratiba para o Rio de Janeiro, meses antes, a estudar preparatórios. Vivia tranquilo, naquela casa assobradada da Rua do Senado, com os meus livros, poucas relações, alguns passeios. A família era pequena, o escrivão, a mulher, a sogra e duas escravas. Costumes velhos. Às dez horas da noite toda a gente estava nos quartos; às dez e meia a casa dormia. Nunca tinha ido ao teatro, e mais de uma vez, ouvindo dizer ao Meneses que ia ao teatro, pedi-lhe que me levasse consigo. Nessas ocasiões, a sogra fazia uma careta, e as escravas riam à socapa; ele não respondia, vestia-se, saía e só tornava na manhã seguinte. Mais tarde é que eu soube que o teatro era um eufemismo em ação. Meneses trazia amores com uma senhora, separada do marido, e dormia fora de casa uma vez por semana. Conceição padecera, a princípio, com a existência da comborça, mas, afinal, resignara-se, acostumara-se, e acabou achando que era muito direito.
            Boa Conceição! Chamavam-lhe “a santa”, e fazia jus ao título, tão facilmente suportava os esquecimentos do marido. Em verdade, era um temperamento moderado, sem extremos, nem grandes lágrimas, nem grandes risos. No capítulo que trato, dava para maometana; aceitaria um harém, com as aparências salvas. Deus me perdoe, se a julgo mal. Tudo nela era atenuado e passivo. O próprio rosto era mediano, nem bonito nem feio. Era o que chamamos uma pessoa simpática. Não dizia mal de ninguém, perdoava tudo. Não sabia odiar; pode ser até que não soubesse amar.
            Naquela noite de Natal foi o escrivão ao teatro. Era pelos anos de 1861 ou 1862. Eu já devia estar em Mangaratiba, em férias; mas fiquei até o Natal para ver “a missa do galo na Corte”. A família recolheu-se à hora do costume; eu meti-me na sala da frente, vestido e pronto. Dali passaria ao corredor da entrada e sairia sem acordar ninguém. Tinha três chaves na porta; uma estava com o escrivão, eu levaria outra, a terceira ficava em casa.
            - Mas, Sr. Nogueira, que fará você todo esse tempo? perguntou a mãe de Conceição.
            - Leio, D. Inácia.
            Tinha comigo um romance, os Três mosqueteiros, velha tradução creio do Jornal do Comércio. Sentei-me à mesa que havia no centro da sala, e à luz de um candeeiro de querosene, enquanto a casa dormia, trepei ainda uma vez ao cavalo magro de D’Artagnan e fui-me às aventuras. Dentro em pouco estava completamente ébrio de Dumas. Os minutos voavam, ao contrário do que costumam fazer, quando são de espera; ouvi bater onze horas, mas quase sem dar por elas, um acaso. Entretanto, um pequeno rumor que ouvi dentro veio acordar-me da leitura. Eram uns passos no corredor que ia da sala de visitas à de jantar; levantei a cabeça; logo depois vi assomar à porta da sala o vulto de Conceição.
            - Ainda não foi? perguntou ela.
            - Não fui; parece que ainda não é meia-noite.
            - Que paciência!
            Conceição entrou na sala, arrastando as chinelinhas da alcova. Vestia um roupão branco, mal apanhado na cintura. Sendo magra, tinha um ar de visão romântica, não disparatada com o meu livro de aventuras. Fechei o livro; ela foi sentar-se na cadeira que ficava defronte de mim, perto do canapé. Como eu lhe perguntasse se a havia acordado, sem querer, fazendo barulho, respondeu com presteza:
            - Não! qual! acordei por acordar.
            Fitei-a um pouco e duvidei da afirmativa. Os olhos não eram de pessoa que acabasse de dormir; pareciam não ter ainda pegado no sono. Essa observação, porém, que valeria alguma cousa em outro espírito, depressa a botei fora, sem advertir que talvez não dormisse justamente por minha causa, e mentisse para me não afligir ou aborrecer. Já disse que ela era boa, muito boa.
            - Mas a hora já há de estar próxima, disse eu.
            - Que paciência a sua de esperar acordado, enquanto o vizinho dorme! E esperar sozinho! Não tem medo de almas do outro mundo? Eu cuidei que se assustasse quando me viu.
            - Quando ouvi os passos estranhei; mas a senhora apareceu logo.
            - Que é que estava lendo? Não diga, já sei, é o romance dos Mosqueteiros.
            - Justamente: é muito bonito.
            - Gosta de romances?
            - Gosto.
            - Já leu A moreninha?
            - Do Dr. Macedo? Tenho lá em Mangaratiba.
            - Eu gosto muito de romances, mas leio pouco, por falta de tempo. Que romances é que você tem lido?
            Comecei a dizer-lhe os nomes de alguns. Conceição ouvia-me com a cabeça reclinada no espaldar, enfiando os olhos por entre as pálpebras meio cerradas, sem os tirar de mim. De vez em quando passava a língua pelos beiços, para umedecê-los. Quando acabei de falar, não me disse nada; ficamos assim alguns segundos. Em seguida, vi-a endireitar a cabeça, cruzar os dedos e sobre eles pousar o queixo, tendo os cotovelos nos braços da cadeira, tudo sem desviar de mim os grandes olhos espertos.
            “Talvez esteja aborrecida” pensei eu.
            E logo alto:
            - D. Conceição, creio que vão sendo horas, e eu...
            - Não, não, ainda é cedo. Vi agora mesmo o relógio; são onze e meia. Tem tempo. Você, perdendo a noite, é capaz de não dormir de dia?
            - Já tenho feito isso.
            - Eu, não; perdendo uma noite, no outro dia estou que não posso, e, meia hora que seja, hei de passar pelo sono. Mas também estou ficando velha.
            - Que velha o quê, D. Conceição?
            Tal foi o calor da minha palavra que a fez sorrir. De costume tinha os gestos demorados e as atitudes tranquilas; agora, porém, ergueu-se rapidamente, passou para o outro lado da sala e deu alguns passos, entre a janela da rua e a porta do gabinete do marido. Assim, com o desalinho honesto que trazia, dava-me uma impressão singular. Magra embora, tinha não sei que balanço no andar, como quem lhe custa levar o corpo; essa feição nunca me pareceu tão distinta como naquela noite. Parava algumas vezes, examinando um trecho de cortina ou consertando a posição de algum objeto no aparador; afinal deteve-se, ante mim, com a mesa de permeio. Estreito era o círculo das suas ideias; tornou ao espanto de me ver esperar acordado; eu repeti-lhe o que ela sabia, isto é, que nunca ouvira missa do galo na Corte, e não queria perdê-la.
            - É a mesma missa da roça; todas as missas se parecem.
            - Acredito; mas aqui há de haver mais luxo e mais gente também. Olhe, a semana santa na Corte é mais bonita que na roça. S. João não digo, nem Santo Antônio...
            Pouco a pouco, tinha-se inclinado; fincara os cotovelos no mármore da mesa e metera o rosto entre as mãos espalmadas. Não estando abotoadas, as mangas, caíram naturalmente, e eu vi-lhe metade dos braços, muito claros, e menos magros do que se poderiam supor. A vista não era nova para mim, posto também não fosse comum; naquele momento, porém, a impressão que tive foi grande. As veias eram tão azuis, que apesar da pouca claridade, podia contá-las do meu lugar. A presença de Conceição espertara-me ainda mais que o livro. Continuei a dizer o que pensava das festas da roça e da cidade, e de outras cousas que me iam vindo à boca. Falava emendando os assuntos, sem saber por que, variando deles ou tornando aos primeiros, e rindo para fazê-la sorrir e ver-lhe os dentes que luziam de brancos, todos iguaizinhos. Os olhos dela não eram bem negros, mas escuros; o nariz, seco e longo, um tantinho curvo, dava-lhe ao rosto um ar interrogativo. Quando eu alteava um pouco a voz, ela reprimia-me:
            - Mais baixo! mamãe pode acordar.
            E não saía daquela posição, que me enchia de gosto, tão perto ficavam as nossas caras. Realmente, não era preciso falar alto para ser ouvido; cochichávamos os dois, eu mais que ela, porque falava mais; ela, às vezes, ficava séria, muito séria, com a testa um pouco franzida. Afinal, cansou; trocou de atitude e de lugar. Deu volta à mesa e veio sentar-se do meu lado, no canapé. Voltei-me, e pude ver, a furto, o bico das chinelas; mas foi só o tempo que ela gastou em sentar-se, o roupão era comprido e cobriu-as logo. Recordo-me que eram pretas. Conceição disse baixinho:
            - Mamãe está longe, mas tem o sono muito leve; se acordasse agora, coitada, tão cedo não pegava no sono.
            - Eu também sou assim.
            - O quê? perguntou ela inclinando o corpo para ouvir melhor.
            Fui sentar-me na cadeira que ficava ao lado do canapé e repeti a palavra. Riu-se da coincidência; também ela tinha o sono leve; éramos três sonos leves.
            - Há ocasiões em que sou como mamãe: acordando, custa-me dormir outra vez, rolo na cama, à toa, levanto-me, acendo a vela, passeio, torno a deitar-me, e nada.
            - Foi o que lhe aconteceu hoje.
            - Não, não, atalhou ela.
            Não entendi a negativa; ela pode ser que também não a entendesse. Pegou das pontas do cinto e bateu com elas sobre os joelhos, isto é, o joelho direito, porque acabava de cruzar as pernas. Depois referiu uma história de sonhos, e afirmou-me que só tivera um pesadelo, em criança. Quis saber se eu os tinha. A conversa reatou-se assim lentamente, longamente, sem que eu desse pela hora nem pela missa. Quando eu acabava uma narrativa ou uma explicação, ela inventava outra pergunta ou outra matéria, e eu pegava novamente na palavra. De quando em quando, reprimia-me:
            - Mais baixo, mais baixo...
            Havia também umas pausas. Duas outras vezes, pareceu-me que a via dormir; mas os olhos, cerrados por um instante, abriam-se logo sem sono nem fadiga, como se ela os houvesse fechado para ver melhor. Uma dessas vezes creio eu que deu por mim embebido na sua pessoa, e lembra-me que os tornou a fechar, não sei se apressada ou vagarosamente. Há impressões dessa noite, que me aparecem truncadas ou confusas. Contradigo-me, atrapalho-me. Uma das que ainda tenho frescas é que, em certa ocasião, ela, que era apenas simpática, ficou linda, ficou lindíssima. Estava de pé, os braços cruzados; eu, em respeito a ela, quis levantar-me; não consentiu, pôs uma das mãos no meu ombro, e obrigou-me a estar sentado. Cuidei que ia dizer alguma cousa; mas estremeceu, como se tivesse um arrepio de frio, voltou as costas e foi sentar-se na cadeira, onde me achara lendo. Dali relanceou a vista pelo espelho, que ficava por cima do canapé, falou de duas gravuras que pendiam da parede.
            - Estes quadros estão ficando velhos. Já pedi a Chiquinho para comprar outros.
            Chiquinho era o marido. Os quadros falavam do principal negócio deste homem. Uma representava “Cleópatra”; não me recordo o assunto do outro, mas eram mulheres. Vulgares ambos; naquele tempo não me pareciam feios.
            - São bonitos, disse eu.
            - Bonitos são; mas estão manchados. E depois, francamente, eu preferia duas imagens, duas santas. Estas são mais próprias para sala de rapaz ou de barbeiro.
            - De barbeiro? A senhora nunca foi a casa de barbeiro.
            - Mas imagino que os fregueses, enquanto esperam, falam de moças e namoros, e naturalmente o dono da casa alegra a vista deles com figuras bonitas. Em casa de família é que não acho próprio. É o que eu penso; mas eu penso muita cousa assim esquisita. Seja o que for, não gosto dos quadros. Eu tenho uma Nossa Senhora da Conceição, minha madrinha, muito bonita; mas é de escultura, não se pode pôr na parede, nem eu quero. Está no meu oratório.
            A ideia de oratório trouxe-me a missa, lembrou-me que podia ser tarde e quis dizê-lo. Penso que cheguei a abrir a boca, mas logo a fechei para ouvir o que ela contava, com doçura, com graça, com tal moleza que trazia preguiça à minha alma e fazia esquecer a missa e a igreja. Falava das suas devoções de menina e moça. Em seguida referia umas anedotas de baile, uns casos de passeio, reminiscências de Paquetá, tudo de mistura, quase sem interrupção. Quando cansou do passado, falou do presente, dos negócios da casa, das canseiras de família, que lhe diziam ser muitas, antes de casar, mas não eram nada. Não me contou, mas eu sabia que casara aos vinte e sete anos.
            Já agora não trocava de lugar, como a princípio, e quase não saíra da mesma atitude. Não tinha os grandes olhos compridos, e entrou a olhar à toa para as paredes.
            - Precisamos mudar o papel da sala, disse daí a pouco, como se falasse comigo.
            Concordei, para dizer alguma cousa, para sair da espécie de sono magnético, ou o que quer que era me tolhia a língua e os sentidos. Queria e não queria acabar a conversação; fazia esforço para arredar os olhos dela, e arredava-os por um sentimento de respeito; mas a idéia de parecer que era aborrecimento, quando não era, levava-me os olhos outra vez para Conceição. A conversa ia morrendo. Na rua, o silêncio era completo.
            Chegamos a ficar por algum tempo, - não posso dizer quanto, - inteiramente calados. O rumor único e escasso, era um roer de camundongo no gabinete, que me acordou daquela espécie de sonolência; quis falar dele, mas não achei modo. Conceição parecia estar devaneando. Subitamente, ouvi uma pancada na janela, do lado de fora, e uma voz que bradava: “Missa do galo! missa do galo!”
            - Aí está o companheiro, disse ela levantando-se. Tem graça; você é que ficou de ir acordá-lo, ele é que vem acordar você. Vá, que hão de ser horas; adeus.
            - Já serão horas? perguntei.
            - Naturalmente.
            - Missa do galo! – repetiram de fora, batendo.
            - Vá, vá, não se faça esperar. A culpa foi minha. Adeus, até amanhã.
            E com o mesmo balanço do corpo, Conceição enfiou pelo corredor dentro, pisando mansinho. Saí à rua e achei o vizinho que esperava. Guiamos dali para a igreja. Durante a missa, a figura de Conceição interpôs-se mais de uma vez, entre mim e o padre; fiquei isto à conta dos meus dezessete anos. Na manhã seguinte, ao almoço, falei da missa do galo e da gente que estava na igreja sem excitar a curiosidade de Conceição. Durante o dia, achei-a como sempre, natural, benigna, sem nada que fizesse lembrar a conversação da véspera. Pelo Ano-Bom fui para Mangaratiba. Quando tornei ao Rio de Janeiro, em março, o escrivão tinha morrido de apoplexia. Conceição morava no Engenho Novo, mas nem a visitei nem a encontrei. Ouvi mais tarde que casara com o escrevente juramentado do marido.



Assis, Machado. Contos. Série Bom Livro. 26ª ed. Editora Ática: 2002. p. 99-104.

Com base na leitura do conto, responda:

1)    Quando ocorre a experiência vivida pelo Sr. Nogueira? Em que noite particularmente?

2)    Em que cidade e em que lugar ocorrem os fatos?

3)    Quanto tempo transcorre desde o momento em que Conceição entra na sala em que está Nogueira até o momento em que ele sai à rua para ir à missa?

4)    Pelas lembranças que são narradas, esse tempo parece ter demorado para passar ou parece ter passado rapidamente?

5)    Identifique no texto fatos que comprovem uma intimidade cada vez maior entre Conceição e Nogueira.

6)    Levante hipóteses: que razões poderiam levar Conceição a sentir vontade de viver uma aventura amorosa? E Nogueira?

7)    Que fato posterior, relatado no final da história, confirma que Conceição era uma mulher capaz de se interessar por outro homem, depois do marido?

8)    Quais dos seguintes fragmentos evidenciam a atração de Nogueira por Conceição:

a)    Que velha o quê, D. Conceição!
b)    Cochichávamos os dois, eu mais que ela, porque falava mais.
c)    Mais baixo! Mamãe pode acordar.
d)    A presença de Conceição espertara-me ainda mais que o livro. Ela, que era apenas simpática, ficou linda, ficou lindíssima.

9)    Quais dos fragmentos seguintes evidenciam haver pensamentos e sentimentos contraditórios em Conceição?

a)    Cuidei que ia dizer alguma coisa, mas estremeceu, como se tivesse um arrepio de frio, voltou as costas e foi sentar-se.
b)    Depois referiu uma história de sonhos, e afirmou-me que só tivera um pesadelo em criança.
c)    Mais baixo! Mamãe pode acordar. Ela, às vezes, ficava séria, muito séria, com a testa um pouco franzida.

10)Na sua opinião, ocorreu ou não algum envolvimento amoroso entre Conceição e Nogueira?

POEMA - 8º ANO

Amar

Que pode uma criatura senão,
entre criaturas, amar?
amar e esquecer,
amar e malamar,
amar, desamar, amar?
sempre, e até de olhos vidrados, amar?

Que pode, pergunto, o ser amoroso,
sozinho, em rotação universal, senão
rodar também, e amar?
amar o que o mar traz à praia,
e o que ele sepulta, e o que, na brisa marinha,
é sal, ou precisão de amor, ou simples ânsia?

Amar solenemente as palmas do deserto,
o que é entrega ou adoração expectante,
e amar o inóspito, o áspero,
um vaso sem flor, um chão de ferro,
e o peito inerte, e a rua vista em sonho, e uma ave de rapina.

Este o nosso destino: amor sem conta,
distribuído pelas coisas pérfidas ou nulas,
doação ilimitada a uma completa ingratidão,
e na concha vazia do amor a procura medrosa,
paciente, de mais e mais amor.

Amar a nossa falta mesma de amor, e na secura nossa
amar a água implícita, e o beijo tácito, e a sede infinita.

                                                      Carlos Drummond de Andrade

Leia o poema com atenção para responder às questões propostas.

1)    Analise, inicialmente, a primeira estrofe.

a)    Segundo o “eu poético”, o ato de amar é uma vocação. Que versos sugerem essa ideia?

b)   É possível perceber que, segundo o “eu poético”, o ato de amar acontece quando o indivíduo se encontra em uma determinada circunstância. Que circunstância é essa?

c)    Amar, de acordo com o poema, é uma atitude finita? Justifique sua resposta.


2)   Na segunda estrofe, o “eu poético” diz que o ser amoroso, em rotação universal, também pode amar.

a)    Qual é o sentido da expressão “ser amoroso"?

b)   Na estrofe inicial, foi mencionado que o ato de amar acontece em um determinado contexto, ou seja, entre criaturas. Na segunda estrofe, há uma palavra que se opõe a essa ideia. Que palavra é essa?

c)    Mesmo mencionando essa palavra, pode-se dizer que ainda prevalece a ideia da existência do amor somente entre as criaturas? Justifique a sua resposta.


3)   Ainda na segunda estrofe, ao empregar a palavra mar, o “eu poético” estabeleceu uma relação de semelhança gráfica e sonora com a palavra amar.

a)    A palavra mar também reforça a ideia do movimento cíclico do amor. De que forma isso está sugerido nessa estrofe?

b)   Releia o último verso da estrofe: “é sal, ou precisão de amor, ou simples ânsia?” De maneira figurada, o “eu poético” revela três diferentes forma de amar. O que você consegue apreender com base nos elementos citados?


4)   Observe que na terceira estrofe o “eu poético”, usando a linguagem figurada, fala em amar aquilo que é áspero ou inóspito, sem vida ou vazio.

a)    As ideias “um vaso sem flor”, “um chão vazio”, “o inóspito”, “o áspero” e “as palmas do deserto” apresentadas no poema podem ser consideradas elementos figurados que representam características ou atitudes humanas? Em caso afirmativo, que características elas apresentam?

b)   Note que o “eu poético” ainda fala em amar “o que é entrega ou adoração expectante” [que espera], “a a rua vista em sonho” e “uma ave de rapina”. Esses elementos parecem não ter relação de sentido com os mencionados na questão anterior. Assim, responda: o que é possível afirmar sobre esses elementos, refletindo sobre o ato de amar?


5)   Na quarta estrofe, o “eu poético” diz que o destino do ser humano é amar sem conta, ou seja, de maneira ilimitada, como uma forma de doação.


a)    O que significa no poema “doação ilimitada a uma completa ingratidão”? O “eu poético” está se referindo ao amor não correspondido ou estaria falando sobre o amor desinteressado, de pura entrega?

b)   Em que versos dessa estrofe o “eu poético” sugere novamente a ideia do movimento cíclico do amor?

c)    Ao falar em “concha vazia do amor”, o “eu poético” remete novamente para a figura do mar, mencionada na segunda estrofe. No contexto do poema, o que essa imagem pode estar representando?


6)   Releia a última estrofe e observe que novamente ele remete para a ideia de que amar é um sentimento inesgotável. Que expressão está sugerindo essa forma de pensar do “eu poético”?


Bom trabalho!
Abraço, profa. Joséli



sexta-feira, 6 de setembro de 2013

PROPOSTA DE PRODUÇÃO DE TEXTO - CARTA DO LEITOR - 8ºANO

Leia, com atenção, o artigo abaixo, O debate climático esquenta, de Marcelo Gleiser, publicado na Folha de S.Paulo.

O d e b a t e  c l imá t i c o  e s q u e n t a


      Poucos tópicos em pesquisa científica têm a influência sócio-econômica da questão climática: afinal, o mundo está esquentando ou não? Essa história de efeito estufa é real ou inventada por cientistas radicais? Eu mesmo escrevi várias vezes sobre o assunto, que me preocupa. Imagino que a maioria dos leitores desta coluna partilhem de minha ansiedade.
     A questão esbarra em várias deliberações, misturando ciência com política, economia e mesmo ética. Ninguém em sã consciência gostaria de deixar um mundo em piores condições para as gerações futuras. Infelizmente, nem todas as consciências são sãs.
    A questão climática está passando por uma séria crise no momento. Há alguns anos, o Painel Internacional para Mudanças Climáticas (IPCC), organização que reúne cientistas do mundo inteiro, publicou um estudo alertando para o perigo do efeito estufa, que já estaria ocorrendo e poderia ter consequências terríveis para a sobrevivência da humanidade ainda neste século: o aumento da temperatura provocará a elevação do nível do mar, o degelo das calotas polares influenciará a salinização do Atlântico Norte, interrompendo a corrente que garante o clima temperado da Europa e da costa leste dos EUA, novas pragas surgirão, prejudicando a agricultura, até mesmo a malária em latitudes mais altas.
     Este quadro apocalíptico só poderá ser evitado se países passarem a controlar rigidamente a emissão de dióxido de carbono, o CO2. Como os EUA produzem 25% do CO2 mundial e a Rússia 17%, os dois países são os alvos principais da campanha do IPCC. Até Hollywood entrou no debate com o filme ‘O Dia      Depois de Amanhã’, em que o efeito estufa traz uma crise climática devastadora.
    O Protocolo de Kyoto trata justamente dessa questão. Ele só pode entrar em vigor se 55% da emissão mundial de CO2 estiver incluída nos países signatários. Os EUA se recusaram a assinar, e a Rússia ameaça ir pelo mesmo caminho.
    O principal conselheiro econômico de Vladimir Putin, Andrei Illarionov, acredita que o protocolo pode arruinar a economia russa: a questão climática não é apenas científica; ela é, essencialmente, uma questão econômica.
    Tudo seria muito mais fácil se os cientistas chegassem a uma conclusão à prova de bala que, de fato, o efeito estufa é uma realidade inevitável. Infelizmente, em assuntos de extrema complexidade, não existem respostas simples.
    E a previsão climática, especialmente de longo prazo, é extremamente complexa. Não só porque existem inúmeras variáveis, mas porque a análise depende de dados históricos que muitas vezes têm interpretação ou validade dúbia.
   A combinação vem provocando uma reavaliação da questão climática. As previsões do IPCC estão mesmo corretas? Alguns dizem que não. Entre vários fatores, eles alegam que o aumento de temperatura só se dá perto da superfície; maiores altitudes não sofreram alteração no século 20. Mas ninguém sabe explicar por que a temperatura só aumenta perto da superfície. Como é aqui que vivemos...
   Os mesmos grupos criticam as simulações climáticas usadas pelos cientistas do IPCC, acusando-as de estarem erradas. Alguns dizem até que elas são incapazes de reproduzir as medidas obtidas até agora. Se esse for o caso, como essas simulações vão prever o que ocorrerá daqui a décadas?
    Em vista da presente confusão, só resta agir com cautela e recordar certas lições sobre poluição. Para mim, a melhor delas é o buraco na camada de ozônio.
    Detectado nos anos 60, ficou claro que ele era causado pela emissão de fluorocarbonetos. Ou seja, a atividade humana pode influenciar negativamente a atmosfera. Controlada a emissão, o buraco foi fechando. A Terra, sendo um sistema finito, tem capacidade limitada de suportar a incessante perturbação humana.
Mesmo que existam controvérsias climáticas, o preço por erros cometidos agora será alto demais. Especialmente porque serão os nossos filhos a pagá-lo.

                             Marcelo Gleiser é professor de física teórica do Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor do livro ‘O Fim da Terra e do Céu’. Artigo publicado na ‘Folha de SP’.

    
         No texto O debate climático esquenta, Marcelo Gleiser  expõe vários questionamentos sobre os perigos do aquecimento global e termina seu texto com a seguinte afirmação: “Mesmo que existam controvérsias climáticas, o preço por erros cometidos agora será alto demais. Especialmente porque serão os nossos filhos a pagá-lo.” Redija uma carta ao editor do jornal, expressando sua opinião sobre o assunto tratado. Lembre-se que sua carta deve ser dirigida ao editor responsável pelo jornal ou pela sessão em que a notícia foi publicadas.


quinta-feira, 5 de setembro de 2013

TEMAS PARA PRODUÇÃO DE TEXTO - 9º ANO


       Aqui estão alguns temas que valem a pena serem analisados para produções de texto.

       Procure informações sobre esses temas, leia notícias, reportagens, comentários, textos de opinião, editoriais e enriqueçam-se com informações para empregarem como argumentos em textos argumentativos.



Tema 1: A sustentabilidade e o consumo.


Tema 2:  A maior revolta popular na história da democracia brasileira.


Tema 3: O Brasil e o racismo.




Bom trabalho!!

domingo, 18 de agosto de 2013

O TEXTO TEATRAL - 8ºANO

Você vai ler um fragmento da peça teatral “A moratória”, de Jorge Andrade. A peça retrata uma família de fazendeiros e tem como tema a decadência da aristocracia rural brasileira ocorrida no final dos anos 1920, impulsionada por dois violentos choques: a crise do café  e a Revolução de 30.

Veja o diálogo que se desenvolve entre pai e filha a partir daí.

Joaquim: Não se afobe, minha filha.
Lucília: E que faço do meu serviço?
Joaquim: Que importância tem? Você é obrigada a costurar. Até prefiro que...
Lucília: (Corta) Ora, papai! (Pausa. Lucília olha para Joaquim e disfarça) Tia Elvira vem experimentando o vestido e ainda tenho que acabar o da Malfada.
Joaquim: Por que é que sua tia precisa de tantos vestidos?
Lucília: Ela vai a uma festa amanhã.
Joaquim: (Joaquim sai levando a xícara) É um despropósito fazer um vestido para cada festa.
Lucília: Assim gasta um pouco do dinheiro que tem.
Joaquim: (Voz) Não é a festa do Coronel Bernardino?
 É.
Joaquim: (Voz) Você não vai?
Lucília: Não.
Joaquim: (Voz) Por que não? Recebemos convite.
Lucília: Não quero.
Joaquim: (Pausa. Reaparecendo) Não sei por que, depois que viemos para cidade, você se afastou de tudo e de todos.
Lucília: Convidaram por amabilidade, apenas.
Joaquim: Convidaram porque você é minha filha. É uma obrigação.
Lucília: Conheço essa gente.
Joaquim: Você precisa se divertir também.
Lucília: Preciso, mas não posso.
[...]

Joaquim: Há de chegar o dia em que vai poder ir a todas as festas novamente. E de cabeça erguida.
Lucília: Ainda estou de cabeça erguida. Posso perfeitamente recusar um convite. (Pausa. Os dois se entreolham ligeiramente) Não vou porque fico cansada.
Joaquim: Eu sei. Eu sinto o que é. (Pausa) De cabeça erguida! Prometo isso a você.
Lucília: Não faço questão nenhuma.
Joaquim: Eu faço.
Lucília: Está bem. Não se toca mais neste assunto.
(Pausa)
Joaquim: Com a nulidade do processo, vou recuperar a fazenda. Darei a você tudo que desejar.
Lucília: Não vamos falar nisto.
Joaquim: Por que não? Eu quero falar.
Lucília: É bom esperar primeiro a decisão do Tribunal.
Joaquim: (Impaciente) O mal de vocês é não ter esperança. Essa é que é a verdade.
Lucília: E o mal do senhor é ter demais.
Joaquim: Esperança nunca é demais.
Lucília: Não gosto de me iludir. E depois, se recuperarmos a fazenda, vamos ter que trabalhar muito para pagá-la.
Joaquim: Pois, trabalha-se.
Lucila: Só depois disto, poderemos pensar em recompensa... e outras coisas. Até lá preciso costurar e com calma.
Joaquim: É exatamente o que não suporto.
Lucília: O quê?
Joaquim: Ver você costurando para esta gente. Gente que não merecia nem limpar nossos sapatos!
Lucília: Não reparo neles. Não sei que são, nem me interessa. Trabalho apenas. (Por um momento fica retesada) Por enquanto não há outro caminho.
Joaquim: Gentinha! Só tem dinheiro...
Lucília: (Seca) É o que não temos mais.
[...]

(Pausa. Joaquim fica sem saber o que fazer. Atrapalha-se quando tenta arrumar os figurinos que estão em cima da mesa).
Lucília: (Impaciente) Papai! Não misture meus figurinos.
Joaquim: Queria arrumar.
Lucília: Não é preciso. [...] Veio o café?
Joaquim: Não.
Lucília: Tia Elvira prometeu mandar hoje.
Joaquim: Prometeu, mas não mandou.
Lucília: O senhor olhou direito na jardineira?
Joaquim: Naturalmente que olhei. Só veio latãozinho de leite.
Lucília: Com certeza a tia Elvira começa a achar que nos ajuda demais. Um latãozinho de leite por dia!
Joaquim: (Abaixa ligeiramente a cabeça) Deve ter esquecido.
Lucília: Ela não se cansa de falar na ajuda que nos dá e nas dificuldades que todo mundo está atravessando. [...] Ou acho melhor trazer pessoalmente, para não esquecermos que devemos favor a eles. Aposto como vai contar a luta que teve para conseguir um pouco de café!
Joaquim: (Olha para Lucília durante um instante, contrai o rosto e abaixa a cabeça)
Lucília: A verdade é que ela deve ter a consciência bem pesada.
Joaquim: Por quê?
Lucília: O senhor não se lembra mais?
Joaquim: (Levanta-se) Não preciso deles para recuperar o que é meu.
Lucília: Um dia hei de dizer tudo isto a ela.
Joaquim: (Saindo para a cozinha) As colheitas andam más. (Só a voz de Joaquim) Não há mais café como antigamente.
Lucília: Não se esqueça de que a fazenda deles tem setecentos mil pés de café.
Joaquim: (Voz) Que adianta? Não chove!
Lucília: Enfim, é sempre a mesma coisa: chuva, chuva! (toca a máquina) Quando morávamos na fazenda, a ladainha era a mesma. (Pausa) O que sei é que preciso trabalhar se quisermos viver, pelo menos decentemente.
[...]

Com base no texto, responda:

1) Nos texto teatrais, o desenvolvimento dos fatos e o conhecimento sobre os personagens se dão por meio dos diálogos.
Compare as falas a seguir e associe-as às duas personagens do texto lido.

LUCÍLIA: Ainda estou de cabeça erguida. Posso perfeitamente recusar um convite. Não vou porque fico cansada.
JOAQUIM: Ver você costurando para esta gente. Gente que não merecia nem limpar nossos sapatos.

      A)Considerando que a família já foi rica, como pai e filha vivem nessa situação?
(    ) Tentam fugir da triste realidade em  que vivem no momento.
(    ) Conservam o orgulho aristocrático.
(    ) Adaptaram-se sem problemas à nova vida da cidade

B) No decorrer do texto, observa-se que a “gentinha” que se refere Joaquim tem o que eles tinham quando eram fazendeiros. O que Joaquim e sua família não têm mais no momento retratado na peça?
c       
            C) Além do dinheiro que Lucília ganha com as costuras, o que mais ajuda na sobrevivência  da família.

2) Observa-se nessa cena que pai e filha tem posições diferentes quanto à nova situação que vivem:
a) Como o pai encara a situação? Justifique.
b) E a filha?
c) Que argumento o pai usa para justificar o fato de tia Elvira não ter mandado café?
d) Como  Lucília nega o argumento  do pai?

3) O texto teatral tem semelhanças com o texto narrativo: apresenta fatos, personagens, tempo e lugar.
a) Onde ocorre a cana do texto lido?
b) Qual é, aproximadamente, o tempo de duração dessa cena?

4) Comparando a estrutura do texto  teatral com a de outros textos narrativos, como, por exemplo, o conto, e a fábula, observamos que ele se constrói de uma forma diferente.

a) Há, no texto teatral, um narrador que conta a história?
b) De que forma, então, tomamos conhecimento dela?

5) O diálogo entre as personagens constitui o elemento essencial de  um texto teatral. Numa fábula ou conto, a fala das personagens aparece geralmente depois dos verbos como dizer, perguntar, afirmar, chamados dicendi. No texto teatral lido, como é introduzida a fala das personagens?

6)  O texto teatral apresenta alguns trechos em letras de tipo diferente, em geral itálico: Veja:

(Pausa. Joaquim fica sem saber o que fazer.Atrapalha-se quando tenta arrumar os figurinos que estão em cima da mesa).
LUCÍLIA: (Impaciente) Papai! Não misture meus figurinos.

Esses trechos, chamados rubricas, têm uma função especial. Qual é ela?

7) A Linguagem usada nos diálogos normalmente é adequada às personagens e ao contexto.Que tipo de variedade linguística predomina no diálogo entre pai e filha, no texto lido?

8) Quando um texto teatral é lido, o leitor é o interlocutor da história vivida pelas personagens. Quando ele é encenado, quem é o interlocutor?


quinta-feira, 15 de agosto de 2013

A Cartomante - Machado de Assis- 9ºano

A Cartomante
Machado de Assis

    Hamlet observa a Horácio que há mais cousas no céu e na terra do que sonha a nossa filosofia. Era a mesma explicação que dava a bela Rita ao moço Camilo, numa sexta-feira de Novembro de 1869, quando este ria dela, por ter ido na véspera consultar uma cartomante; a diferença é que o fazia por outras palavras.
    — Ria, ria. Os homens são assim; não acreditam em nada. Pois saiba que fui, e que ela adivinhou o motivo da consulta, antes mesmo que eu lhe dissesse o que era. Apenas começou a botar as cartas, disse-me: "A senhora gosta de uma pessoa..." Confessei que sim, e então ela continuou a botar as cartas, combinou-as, e no fim declarou-me que eu tinha medo de que você me esquecesse, mas que não era verdade...
     — Errou! Interrompeu Camilo, rindo.
     — Não diga isso, Camilo. Se você soubesse como eu tenho andado, por sua causa. Você sabe; já lhe disse. Não ria de mim, não ria...
Camilo pegou-lhe nas mãos, e olhou para ela sério e fixo. Jurou que lhe queria muito, que os seus sustos pareciam de criança; em todo o caso, quando tivesse algum receio, a melhor cartomante era ele mesmo. Depois, repreendeu-a; disse-lhe que era imprudente andar por essas casas. Vilela podia sabê-lo, e depois...
   — Qual saber! tive muita cautela, ao entrar na casa.
   — Onde é a casa?
   — Aqui perto, na rua da Guarda Velha; não passava ninguém nessa ocasião. Descansa; eu não sou maluca.
Camilo riu outra vez:
   — Tu crês deveras nessas coisas? perguntou-lhe.
Foi então que ela, sem saber que traduzia Hamlet em vulgar, disse-lhe que havia muito cousa misteriosa e verdadeira neste mundo. Se ele não acreditava, paciência; mas o certo é que a cartomante adivinhara tudo. Que mais? A prova é que ela agora estava tranqüila e satisfeita.
Cuido que ele ia falar, mas reprimiu-se, Não queria arrancar-lhe as ilusões. Também ele, em criança, e ainda depois, foi supersticioso, teve um arsenal inteiro de crendices, que a mãe lhe incutiu e que aos vinte anos desapareceram. No dia em que deixou cair toda essa vegetação parasita, e ficou só o tronco da religião, ele, como tivesse recebido da mãe ambos os ensinos, envolveu-os na mesma dúvida, e logo depois em uma só negação total. Camilo não acreditava em nada. Por quê? Não poderia dizê-lo, não possuía um só argumento; limitava-se a negar tudo. E digo mal, porque negar é ainda afirmar, e ele não formulava a incredulidade; diante do mistério, contentou-se em levantar os ombros, e foi andando.
   Separaram-se contentes, ele ainda mais que ela. Rita estava certa de ser amada; Camilo, não só o estava, mas via-a estremecer e arriscar-se por ele, correr às cartomantes, e, por mais que a repreendesse, não podia deixar de sentir-se lisonjeado. A casa do encontro era na antiga rua dos Barbonos, onde morava uma comprovinciana de Rita. Esta desceu pela rua das Mangueiras, na direção de Botafogo, onde residia; Camilo desceu pela da Guarda velha, olhando de passagem para a casa da cartomante.
   Vilela, Camilo e Rita, três nomes, uma aventura, e nenhuma explicação das origens. Vamos a ela. Os dois primeiros eram amigos de infância. Vilela seguiu a carreira de magistrado. Camilo entrou no funcionalismo, contra a vontade do pai, que queria vê-lo médico; mas o pai morreu, e Camilo preferiu não ser nada, até que a mãe lhe arranjou um emprego público. No princípio de 1869, voltou Vilela da província, onde casara com uma dama formosa e tonta; abandonou a magistratura e veio abrir banca de advogado. Camilo arranjou-lhe casa para os lados de Botafogo, e foi a bordo recebê-lo.
   — É o senhor? exclamou Rita, estendendo-lhe a mão. Não imagina como meu marido é seu amigo; falava sempre do senhor.
   Camilo e Vilela olharam-se com ternura. Eram amigos deveras. Depois, Camilo confessou de si para si que a mulher do Vilela não desmentia as cartas do marido. Realmente, era graciosa e viva nos gestos, olhos cálidos, boca fina e interrogativa. Era um pouco mais velha que ambos: contava trinta anos, Vilela vinte e nove e Camilo vente e seis. Entretanto, o porte grave de Vilela fazia-o parecer mais velho que a mulher, enquanto Camilo era um ingênuo na vida moral e prática. Faltava-lhe tanto a ação do tempo, como os óculos de cristal, que a natureza põe no berço de alguns para adiantar os anos. Nem experiência, nem intuição.
Uniram-se os três. Convivência trouxe intimidade. Pouco depois morreu a mãe de Camilo, e nesse desastre, que o foi, os dois mostraram-se grandes amigos dele. Vilela cuidou do enterro, dos sufrágios e do inventário; Rita tratou especialmente do coração, e ninguém o faria melhor.
   Como daí chegaram ao amor, não o soube ele nunca. A verdade é que gostava de passar as horas ao lado dela; era a sua enfermeira moral, quase uma irmã, mas principalmente era mulher e bonita. Odor di femina: eis o que ele aspirava nela, e em volta dela, para incorporá-lo em si próprio. Liam os mesmos livros, iam juntos a teatros e passeios. Camilo ensinou-lhe as damas e o xadrez e jogavam às noites; — ela mal, — ele, para lhe ser agradável, pouco menos mal. Até aí as cousas. Agora a ação da pessoa, os olhos teimosos de Rita, que procuravam muita vez os dele, que os consultavam antes de o fazer ao marido, as mãos frias, as atitudes insólitas. Um dia, fazendo ele anos, recebeu de Vilela uma rica bengala de presente, e de Rita apenas um cartão com um vulgar cumprimento a lápis, e foi então que ele pôde ler no próprio coração; não conseguia arrancar os olhos do bilhetinho. Palavras vulgares; mas há vulgaridades sublimes, ou, pelo menos, deleitosas. A velha caleça de praça, em que pela primeira vez passeaste com a mulher amada, fechadinhos ambos, vale o carro de Apolo. Assim é o homem, assim são as cousas que o cercam.
   Camilo quis sinceramente fugir, mas já não pôde. Rita como uma serpente, foi-se acercando dele, envolveu-o todo, fez-lhe estalar os ossos num espasmo, e pingou-lhe o veneno na boca. Ele ficou atordoado e subjugado. Vexame, sustos, remorsos, desejos, tudo sentiu de mistura; mas a batalha foi curta e a vitória delirante. Adeus, escrúpulos! Não tardou que o sapato se acomodasse ao pé, e aí foram ambos, estrada fora, braços dados, pisando folgadamente por cima de ervas e pedregulhos, sem padecer nada mais que algumas saudades, quando estavam ausentes um do outro. A confiança e estima de Vilela continuavam a ser as mesmas.
Um dia, porém, recebeu Camilo uma carta anônima, que lhe chamava imoral e pérfido, e dizia que a aventura era sabida de todos. Camilo teve medo, e, para desviar as suspeitas, começou a rarear as visitas à casa de Vilela. Este notou-lhe as ausências. Camilo respondeu que o motivo era uma paixão frívola de rapaz. Candura gerou astúcia. As ausências prolongaram-se, e as visitas cessaram inteiramente. Pode ser que entrasse também nisso um pouco de amor-próprio, uma intenção de diminuir os obséquios do marido, para tornar menos dura a aleivosia do ato.
Foi por esse tempo que Rita, desconfiada e medrosa, correu à cartomante para consultá-la sobre a verdadeira causa do procedimento de Camilo. Vimos que a cartomante restituiu-lhe a confiança, e que o rapaz repreendeu-a por ter feito o que fez. Correram ainda algumas semanas. Camilo recebeu mais duas ou três cartas anônimas, tão apaixonadas, que não podiam ser advertência da virtude, mas despeito de algum pretendente; tal foi a opinião de Rita, que, por outras palavras mal compostas, formulou este pensamento: — a virtude é preguiçosa e avara, não gasta tempo nem papel; só o interesse é ativo e pródigo.
   Nem por isso Camilo ficou mais sossegado; temia que o anônimo fosse ter com Vilela, e a catástrofe viria então sem remédio. Rita concordou que era possível.
   — Bem, disse ela; eu levo os sobrescritos para comparar a letra com a das cartas que lá aparecerem; se alguma for igual, guardo-a e rasgo-a...
   Nenhuma apareceu; mas daí a algum tempo Vilela começou a mostrar-se sombrio, falando pouco, como desconfiado. Rita deu-se pressa em dizê-lo ao outro, e sobre isso deliberaram. A opinião dela é que Camilo devia tornar à casa deles, tatear o marido, e pode ser até que lhe ouvisse a confidência de algum negócio particular. Camilo divergia; aparecer depois de tantos meses era confirmar a suspeita ou denúncia. Mais valia acautelarem-se, sacrificando-se por algumas semanas. Combinaram os meios de se corresponderem, em caso de necessidade, e separaram-se com lágrimas.
   No dia seguinte, estando na repartição, recebeu Camilo este bilhete de Vilela: "Vem já, já, à nossa casa; preciso falar-te sem demora." Era mais de meio-dia. Camilo saiu logo; na rua, advertiu que teria sido mais natural chamá-lo ao escritório; por que em casa? Tudo indicava matéria especial, e a letra, fosse realidade ou ilusão, afigurou-se-lhe trêmula. Ele combinou todas essas cousas com a notícia da véspera.
   — Vem já, já, à nossa casa; preciso falar-te sem demora, — repetia ele com os olhos no papel.
Imaginariamente, viu a ponta da orelha de um drama, Rita subjugada e lacrimosa, Vilela indignado, pegando na pena e escrevendo o bilhete, certo de que ele acudiria, e esperando-o para matá-lo. Camilo estremeceu, tinha medo: depois sorriu amarelo, e em todo caso repugnava-lhe a idéia de recuar, e foi andando. De caminho, lembrou-se de ir a casa; podia achar algum recado de Rita, que lhe explicasse tudo. Não achou nada, nem ninguém. Voltou à rua, e a idéia de estarem descobertos parecia-lhe cada vez mais verossímil; era natural uma denúncia anônima, até da própria pessoa que o ameaçara antes; podia ser que Vilela conhecesse agora tudo. A mesma suspensão das suas visitas, sem motivo aparente, apenas com um pretexto fútil, viria confirmar o resto.
   Camilo ia andando inquieto e nervoso. Não relia o bilhete, mas as palavras estavam decoradas, diante dos olhos, fixas; ou então, — o que era ainda peior, — eram-lhe murmuradas ao ouvido, com a própria voz de Vilela. "Vem já, já à nossa casa; preciso falar-te sem demora." Ditas, assim, pela voz do outro, tinham um tom de mistério e ameaça. Vem, já, já, para quê? Era perto de uma hora da tarde. A comoção crescia de minuto a minuto. Tanto imaginou o que se iria passar, que chegou a crê-lo e vê-lo. Positivamente, tinha medo. Entrou a cogitar em ir armado, considerando que, se nada houvesse, nada perdia, e a precaução era útil. Logo depois rejeitava a idéa, vexado de si mesmo, e seguia, picando o passo, na direção do largo da Carioca, para entrar num tílburi. Chegou, entrou e mandou seguir a trote largo.
   — Quanto antes, melhor, pensou ele; não posso estar assim...
Mas o mesmo trote do cavalo veio agravar-lhe a comoção. O tempo voava, e ele não tardaria a entestar com o perigo. Quase no fim da rua da Guarda Velha, o tílburi teve de parar; a rua estava atravancada com uma carroça, que caíra. Camilo, em si mesmo, estimou o obstáculo, e esperou. No fim de cinco minutos, reparou que ao lado, à esquerda, ao pé do tílburi, ficava a casa da cartomante, a quem Rita consultara uma vez, e nunca ele desejou tanto crer na lição das cartas. Olhou, viu as janelas fechadas, quando todas as outras estavam abertas e pejadas de curiosos do incidente da rua. Dir-se-ia a morada do indiferente Destino.
   Camilo reclinou-se no tílburi, para não ver nada. A agitação dele era grande, extraordinária, e do fundo das camadas morais emergiam alguns fantasmas de outro tempo, as velhas crenças, as superstições antigas. O cocheiro propôs-lhe voltar a primeira travessa, e ir por outro caminho; ele respondeu que não, que esperasse. E inclinava-se para fitar a casa... Depois fez um gesto incrédulo: era a idéia de ouvir a cartomante, que lhe passava ao longe, muito longe, com vastas asas cinzentas; desapareceu, reapareceu, e tornou a esvair-se no cérebro; mas daí a pouco moveu outra vez as asas, mais perto, fazendo uns giros concêntricos... Na rua, gritavam os homens, safando a carroça:
   — Anda! agora! empurra! vá! vá!
   Daí a pouco estaria removido o obstáculo. Camilo fechava os olhos, pensava em outras cousas; mas a voz do marido sussurrava-lhe às orelhas as palavras da carta: "Vem já, já..." E ele via as contorções do drama e tremia. A casa olhava para ele. As pernas queriam descer e entrar... Camilo achou-se diante de um longo véu opaco... pensou rapidamente no inexplicável de tantas cousas. A voz da mãe repetia-lhe uma porção de casos extraordinários; e a mesma frase do príncipe de Dinamarca reboava-lhe dentro: "Há mais cousas no céu e na terra do que sonha a filosofia..." Que perdia ele, se...?
   Deu por si na calçada, ao pé da porta; disse ao cocheiro que esperasse, e rápido enfiou pelo corredor, e subiu a escada. A luz era pouca, os degraus comidos dos pés, o corrimão pegajoso; mas ele não viu nem sentiu nada. Trepou e bateu. Não aparecendo ninguém, teve idéia de descer; mas era tarde, a curiosidade fustigava-lhe o sangue, as fontes latejavam-lhe; ele tornou a bater uma, duas, três pancadas. Veio uma mulher; era a cartomante. Camilo disse que ia consultá-la, ela fê-lo entrar. Dali subiram ao sótão, por uma escada ainda pior que a primeira e mais escura. Em cima, havia uma salinha, mal alumiada por uma janela, que dava para os telhados do fundo. Velhos trastes, paredes sombrias, um ar de pobreza, que antes aumentava do que destruía o prestígio.
   A cartomante fê-lo sentar diante da mesa, e sentou-se do lado oposto, com as costas para a janela, de maneira que a pouca luz de fora batia em cheio no rosto de Camilo. Abriu uma gaveta e tirou um baralho de cartas compridas e enxovalhadas. Enquanto as baralhava, rapidamente, olhava para ele, não de rosto, mas por baixo dos olhos. Era uma mulher de quarenta anos, italiana, morena e magra, com grandes olhos sonsos e agudos. Voltou três cartas sobre a mesa, e disse-lhe:
   — Vejamos primeiro o que é que o traz aqui. O senhor tem um grande susto...
Camilo, maravilhado, fez um gesto afirmativo.
   — E quer saber, continuou ela, se lhe acontecerá alguma coisa ou não...
   — A mim e a ela, explicou vivamente ele.
  A cartomante não sorriu; disse-lhe só que esperasse. Rápido pegou outra vez as cartas e baralhou-as, com os longos dedos finos, de unhas descuradas; baralhou-as bem, transpôs os maços, uma, duas, três vezes; depois começou a estendê-las. Camilo tinha os olhos nela, curioso e ansioso.
   — As cartas dizem-me...
   Camilo inclinou-se para beber uma a uma as palavras. Então ela declarou-lhe que não tivesse medo de nada. Nada aconteceria nem a um nem a outro; ele, o terceiro, ignorava tudo. Não obstante, era indispensável mais cautela; ferviam invejas e despeitos. Falou-lhe do amor que os ligava, da beleza de Rita... Camilo estava deslumbrado. A cartomante acabou, recolheu as cartas e fechou-as na gaveta.
   — A senhora restituiu-me a paz ao espírito, disse ele estendendo a mão por cima da mesa e apertando a da cartomante.
   Esta levantou-se, rindo.
   — Vá, disse ela; vá, ragazzo innamorato...
   E de pé, com o dedo indicador, tocou-lhe na testa. Camilo estremeceu, como se fosse mão da própria sibila, e levantou-se também. A cartomante foi à cômoda, sobre a qual estava um prato com passas, tirou um cacho destas, começou a despencá-las e comê-las, mostrando duas fileiras de dentes que desmentiam as unhas. Nessa mesma ação comum, a mulher tinha um ar particular. Camilo, ansioso por sair, não sabia como pagasse; ignorava o preço.
   — Passas custam dinheiro, disse ele afinal, tirando a carteira. Quantas quer mandar buscar?
   — Pergunte ao seu coração, respondeu ela.
   Camilo tirou uma nota de dez mil-réis, e deu-lha. Os olhos da cartomante fuzilaram. O preço usual era dois mil-réis.
   — Vejo bem que o senhor gosta muito dela... E faz bem; ela gosta muito do senhor. Vá, vá tranqüilo. Olhe a escada, é escura; ponha o chapéu...
   A cartomante tinha já guardado a nota na algibeira, e descia com ele, falando, com um leve sotaque. Camilo despediu-se dela embaixo, e desceu a escada que levava à rua, enquanto a cartomante alegre com a paga, tornava acima, cantarolando uma barcarola. Camilo achou o tílburi esperando; a rua estava livre. Entrou e seguiu a trote largo.
   Tudo lhe parecia agora melhor, as outras cousas traziam outro aspecto, o céu estava límpido e as caras joviais. Chegou a rir dos seus receios, que chamou pueris; recordou os termos da carta de Vilela e reconheceu que eram íntimos e familiares. Onde é que ele lhe descobrira a ameaça? Advertiu também que eram urgentes, e que fizera mal em demorar-se tanto; podia ser algum negócio grave e gravíssimo.
   — Vamos, vamos depressa, repetia ele ao cocheiro.
  E consigo, para explicar a demora ao amigo, engenhou qualquer cousa; parece que formou também o plano de aproveitar o incidente para tornar à antiga assiduidade... De volta com os planos, reboavam-lhe na alma as palavras da cartomante. Em verdade, ela adivinhara o objeto da consulta, o estado dele, a existência de um terceiro; por que não adivinharia o resto? O presente que se ignora vale o futuro. Era assim, lentas e contínuas, que as velhas crenças do rapaz iam tornando ao de cima, e o mistério empolgava-o com as unhas de ferro. Às vezes queria rir, e ria de si mesmo, algo vexado; mas a mulher, as cartas, as palavras secas e afirmativas, a exortação:    — Vá, vá, ragazzo innamorato; e no fim, ao longe, a barcarola da despedida, lenta e graciosa, tais eram os elementos recentes, que formavam, com os antigos, uma fé nova e vivaz.
   A verdade é que o coração ia alegre e impaciente, pensando nas horas felizes de outrora e nas que haviam de vir. Ao passar pela Glória, Camilo olhou para o mar, estendeu os olhos para fora, até onde a água e o céu dão um abraço infinito, e teve assim uma sensação do futuro, longo, longo, interminável.
   Daí a pouco chegou à casa de Vilela. Apeou-se, empurrou a porta de ferro do jardim e entrou. A casa estava silenciosa. Subiu os seis degraus de pedra, e mal teve tempo de bater, a porta abriu-se, e apareceu-lhe Vilela.
   — Desculpa, não pude vir mais cedo; que há?
Vilela não lhe respondeu; tinha as feições decompostas; fez-lhe sinal, e foram para uma saleta interior. Entrando, Camilo não pôde sufocar um grito de terror: — ao fundo sobre o canapé, estava Rita morta e ensangüentada. Vilela pegou-o pela gola, e, com dois tiros de revólver, estirou-o morto no chão.